Mutável

O suor já estava ali na minha testa. Já precisava limpar a cada vez que caía em alguma das vistas. As mãos tremiam levemente e eu senti uma veia em meu rosto um tanto latejante. Todo e qualquer toque do celular eu acreditava que era uma mensagem dela. Uma notificação do Facebook, uma curtida no instagram, uma mensagem pedindo pra compartilhar adoção de cachorro, alguém me marcando em algum grupo do whatsapp pra ver alguma besteira lá. Nada. Nada era mensagem dela e eu ficava cada vez mais nervoso e ansioso.
A pergunta que eu tinha feito a ela era bem simples: “posso te ver hoje, às 18h, no shopping?”
A pergunta foi enviada às 11h. às 11h30m ela viu. Por várias vezes, esteve online e não respondeu. Uma hora começou a digitar mas aparentemente desistiu e agora, às 15h, eu já estava nervoso pela ausência de qualquer sinal, qualquer mensagem, qualquer que fosse uma forma dela falar. Talvez um simples “não” daria fim ao meu martírio.
15h30m. Veio uma mensagem dela. “Ok, mas vou me atrasar um pouco”.
Ótimo. Todo nervosismo, toda ansiedade foram transformados em plena expectativa. Todo meu pensamento era “Ufa! o primeiro passo foi dado em busca desse perdão”.
O que veio não foi perdão. O que veio foi uma frieza plena. Os chocolates que foram dados pareciam que eram boletos da NET, da luz, do gás. As respostas às frases eram monossilábicas, os sorriso raros e o olhar parecia distante. Claramente: ela não queria estar ali.
Eu, tolo, achei que adiantaria.
Não adiantou.
O caminho para casa foi ainda pior do que estava antes. Foi a forma simples de descobrir que o pior sentimento que podem sentir por ti não é a raiva ou o ódio, mas sim o desprezo, no sentido de ser quase uma ausência de qualquer sentimento.
Foi duro de digerir tudo aquilo. por antes, eram muitos planos juntos. A casa que pensamos, os nomes de filhos que queríamos dar, o que faríamos daqui seis meses, um ano, cinco anos. Tudo.
Agora, esses planos se foram.
Aquela dor, no entendo, acabou por ser boa. Foi o choque de realidade que precisava para entender que meus pés estavam presos e que precisava andar. E andei.
Os primeiros beijos e abraços foram para preencher o vazio, passar uma borracha e esquecer de vez. Os seguintes, eram beijos que satisfaziam, que aqueciam, que davam vida ao momento. Os beijos seguintes, bem menos em quantidade, eram beijos de planos, beijos que pensavam num futuro. E quando dei por mim, tais beijos eram de uma única dona.
E novos planos surgiram. Pensamos em casa, em nome dos filhos, no que fazer em seis meses, um ano, cinco anos.
E agora, é claro, era diferente. Eu me tornei aquele que a anterior queria que eu fosse, porque seria o melhor não só para ela, mas para mim também. Uma pena, ela não pode ver essa nova pessoa.
Foi então que eu a revi. Ao que parece as coisas andaram rápido para ela. Os planos que tínhamos para cinco anos, ela concretizou em dois. Eu, sem pressa, ainda os concretizava.
Conversa rápida, afinal foi um encontro por acaso, sem planejar, por acidente. Alguns sorrisos agradáveis, mas eu sabia: era diferente. Um grande carinho, recíproco.
Falei do tanto tempo que não nos víamos e ela contou rindo que os chocolates que dei naquela vez não caíram nada bem para o seu estômago. Mais risos. Mais sorrisos. Um abraço de despedida.
A frieza dela deu lugar um sentimento bom.
E eu, em mim, tive a certeza: não, eu não a quero mais. Quem eu amo tem nome e endereço, que por sinal é o mesmo que o meu.
Nunca tive a frieza mas meu amor acabou também. O desejo das coisas boas, porém, ficaram.
O amor é tão mutável que as vezes ele faz sofrer, mas ele é sempre bom e transforma o desejo de desprezar quem me desprezou em puro bem querer.
Nos despedimos com um “fica bem”. O que meu coração dizia no momento no entanto era “eu te amo. de outra forma. mas ainda amo”.

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